Darma tropical: alguns agenciamentos iconográficos e simbólicos do budismo nas suturas poéticas de Augusto dos Anjos
Resumo
O budismo constitui uma rubrica especial na poética de Augusto dos Anjos (Paraíba, 1884; Minas Gerais 1914), conforme se pode verificar pelas muitas alusões a essa matriz oriental (que somente agora floresce no Brasil) em todo o seu tecido poético. O poeta menciona inclusive o próprio fundador do budismo, Sidarta Gautama (Os doentes, l. 400), além de seu título, Buda, duas vezes: (Revelação, l. 1-3; As cismas do destino, l. 178). Um levantamento do imaginário de Eu (1912) mostra que o poeta possuía um conhecimento mais do que superficial dessa tradição e que a utilizou como suporte de seu projeto poético, onde encontramos importantes instalações da iconografia e simbologia budista. Não bastassem essas instalações, há poemas inteiros impregnados dessa matriz, como Budismo moderno, O meu nirvana. É possível tratar esse imaginário como uma “rota do dharma” ou giro de dharmachakra (abertura de tempo e espaço que propicia os ensinamentos dármicos) porque na poesia de Augusto encontramos as sementes da doutrina do Buda, tais como: as quatro nobres verdades (nascimento, sofrimento, envelhecimento e morte) e o “metafisicismo do Abidarma” (Monólogo de uma sombra, l. 20), coleção de sutras (escrituras sagradas) que trata da psicologia, fenomenologia e cosmologia budista. Importantes metáforas dessa iconografia e simbologia estão suturadas em Eu: urubu, o Sutra Coração (Prajnapamita), a flor de lótus, doença, morte, linhagem, faca e tesoura, entre outras. Os elementos tratados como grotesco em sua poesia são provocações irônicas convidando o leitor, como intima o mantra Prajnaparamita, para ir além, muito mais além, sempre mais além daquilo que está posto na experiência mais imediatamente à mão (ou ao olho) das palavras. Exploraremos essas possibilidades hermenêuticas, desenvolvendo um roteiro (ou glosa) dessas construções e do agenciamento do budismo presentes na poesia do poeta.
