Entre a política e a religião: uma análise da imprensa periódica feijoísta, na conjuntura de 1834 a 1835.
Resumo
Os séculos XVIII e XIX verificaram uma verdadeira simbiose entre elementos da antiga ordem e a consolidação dos Estados nacionais modernos, implicando combinações múltiplas entre mentalidade cristã e o racionalismo secular. No caso brasileiro, a Igreja e seus representantes diretos revelaram-se elo fundamental entre o mundo institucional e a sociedade brasileira, na primeira metade do século XIX. Os enquadramentos institucionais seguidos no pós-independência não puderam dispensar a estrutura administrativa e burocrática há muito organizada pela Igreja.
Assim, os padres contribuíram para a estruturação da nova ordem política e o reforço simbólico das divisões dessa ordem. Se os enquadramentos institucionais em curso configuraram dimensão estruturante dos espaços públicos em gestação, cabe destacar que os padres-políticos atuaram também diretamente na estruturação das esferas de sociabilidade, responsáveis pela modelagem de uma nova cultura política.
Levando em conta as complexas relações institucionais entre Estado e Igreja no Brasil imperial, a presente pesquisa analisa os discursos veiculados pelo semanário O Justiceiro, impresso entre 17 de novembro de 1834 e 5 de março de 1835 e editado pelos Padres Diogo Antônio Feijó e Miguel Arcanjo. Através da análise das mensagens veiculadas pelo jornal, busca-se identificar as possíveis articulações entre preocupações de natureza eclesiástica, sustentadas pela formação intelectual de Feijó, e os temas políticos discutidos no momento em que o Estado brasileiro procedeu aos seus primeiros enquadramentos institucionais. Do ponto de vista teórico, a análise desta fonte se pauta nas formulações do sociólogo Pierre Bourdieu, conferindo atualidade e pertinência analítica ao conceito de "campo religioso". A partir de tal noção, procura-se demonstrar como, ao proferir mensagens de natureza religiosa e política, O Justiceiro subordinava a questão dos dogmas católicos àquilo que passava a ser tomado como matérias próprias à Disciplina da Igreja e, portanto, deveriam submeter-se ao poder temporal, coadunando-se com o discurso liberal da época.