"Expansão Religiosa" e "Modernidade": notas para um debate contemporâneo

Resumo

A chamada "expansão" de grupos, instituições religiosas e o concomitante processo de transposição de formas religiosas na sociedade contemporânea têm sido tratados analiticamente como incluídas nos processos de implantação do "moderno", de um "reencantamento" do mundo, e classificado como característico de um processo de transnacionalização religiosa. A noção de transnacionalização sugere uma suspensão de fronteiras nacionais e uma redefinição do que Benedict Anderson chamou de "comunidades imaginadas" para referir-se ao processo de formação das nacionalidades. Entretanto, o que se tem levantado e demonstrado em alguns fenômenos contemporâneos é o deslocamento de sistemas religiosos a partir de redes ou círculos de ressonância experencial. Estas e estes operam a partir da partilha e tomada de conhecimento - através das mídias disponíveis, ou dos relatos pessoais em grupos de convivência - de experiências vividas peculiares e significativas, que por sua vez são consideradas relevantes do ponto de vista da espiritualidade e da religiosidade de seus participantes. A expansão "global" do uso da bebida psicoativa ayahuasca, que vem sendo chamada de "sacramento psicoativo", e particularmente das chamadas religiões ayahuasqueiras brasileiras, porém, tem ocorrido a partir de iniciativas pessoais, de pessoas que usaram e conheceram a ayahuasca através destes círculos de ressonância experencial e que resolveram associar-se a centros irradiadores das práticas e do conhecimento associados à bebida. Neste trabalho procura-se discutir criticamente a noção de modernidade e transnacionalização religiosa, refletindo sobre estes processos de uma outra perspectiva. Para tal, se discute - como o fez Bruno Latour - o moderno e a modernidade não como fenômenos empiricamente demonstráveis mas como "projetos" que promoveram a assimetria e a fragmentação (e que por isso perderam sua conveniência e consistência). Em suma, a proposta do paper é considerar a expansão religiosa a partir de uma inspiração que vem da lingüística, e particularmente da gramática, e que chamo provisoriamente e provocativamente de derivação religiosa. Derivação é como se caracteriza o processo de constituição de palavras diversas a partir de radicais, processo que seria análogo a como se constituiu boa parte da expansão religiosa contemporânea. Neste sentido, ainda, procuro articular a noção de derivação à idéia de dispositivo, no sentido que Michel Foucault e Gilles Delleuse empregam para pensar como são desencadeadas, e como desencadeiam, as práticas e as perspectivas de mundo. Esta articulação passa a ser central para considerar como se desdobra este processo.