Quando obedecer a Deus é desobedecer aos homens: posições de um clérigo a caminho da fogueira
Resumo
Numa Europa dividida entre três papas, no reino da Boêmia governado por uma autoridade frágil, dentro de uma universidade que sustentava uma briga secular entre tchecos e alemães, encontra-se um clérigo que está prestes a ser queimado na fogueira. Jan Hus, professor da Universidade Carlos e chefe da Capela de Belém, ambas em Praga, sustenta posições referentes à hierarquia eclesiástica que serão consideradas heréticas pelo Concílio de Constança em 1415, o mesmo que o levará à fogueira. Herdeiro de uma tradição nacionalista tcheca, de pensamento realista, em franca oposição ao nominalismo alemão, Hus dá voz a um movimento de resgate da ecclesia do Cristianismo primitivo, especialmente no que diz respeito ao Cristo como cabeça da Igreja e à pobreza clerical de uma vida em comunhão. Ao defender os escritos de John Wyclif, recém trazidos de Oxford, perante o arcebispo de Praga e professores alemães, Hus traça um caminho que, simbolicamente, deixa de seguir Rm 13,1 (“Cada um se submeta às autoridades constituídas”) e passa a ser At 5, 29 (“É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens”).Quando olhamos para a correspondência hussita, cujo caráter educativo estabelecemos em nossa tese de doutorado, encontramos esses dois momentos distintos. No primeiro, Hus dirige-se às autoridades eclesiásticas (arcebispo e Papa) para defender-se das primeiras acusações que lhe eram imputadas (em relação a sua posição perante os escritos de Wyclif). Sua escrita resguarda as características de submissão às autoridades, embora já apresente os primeiros indícios de uma mudança de discurso. No segundo momento, já preso pelas autoridades do Concílio de Constança, constrói um discurso de desobediência às autoridades, fazendo eco aos princípios do Conciliarismo que colocará o Concílio acima do poder papal. Reforçam este segundo momento, as palavras escritas por Hus em seu De Ecclesia, tratado no qual sustenta o lugar de Cristo como cabeça da Igreja universal e se opõe ao poder do papa e dos cardeais.
Neste texto, partindo da correspondência hussita, de seus escritos e de documentos da época, em diálogo com bibliografia especializada, reconstruiremos a posição deste clérigo da Boêmia perante a hierarquia eclesiástica, utilizando-a como objeto para entendermos os conflitos de poder na Igreja católica do final do Medievo. Alguns autores com os quais dialogamos são: J. HUIZINGA, J. LE GOFF, E. GILSON, C. GINZBURG, G. DUBY, além de historiadores especializados em Jan Hus como M. SPINKA, D. SCHAFF, C. ATWOOD, bem como nossa tese de doutorado, a tese de R. OBERG (1972) e a de L. AZEVEDO (2010) ambas defendidas na USP.
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Publicado
2012-11-16
Como Citar
Borges, T. (2012). Quando obedecer a Deus é desobedecer aos homens: posições de um clérigo a caminho da fogueira. Anais Dos Simpósios Da ABHR, 13. Recuperado de https://revistaplura.emnuvens.com.br/anais/article/view/429
Edição
Seção
2012 GT 26: História, Poder e Religiões Medievais: perspectivas brasileiras – Coords. Leandro Rust, Marcus da Cruz